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O amor que choveu





Era uma vez um menino que amava demais. Amava tanto, mas tanto, que o amor nem cabia dentro dele. Saía pelos olhos, brilhando, pela boca, cantando, pelas pernas, tremendo, pelas mãos, suando. (Só pelo umbigo é que não saía: o nó ali é tão bem dado que nunca houve um só que tenha soltado).

O menino sabia que o único jeito de resolver a questão era dando o amor à menina que amava. Mas como saber o que ela achava dele? Na classe, tinha mais quinze meninos. Na escola, trezentos. No mundo, vai saber, uns dois bilhões? Como é que ia acontecer de a menina se apaixonar justo por ele, que tinha se apaixonado por ela?

O menino tentou trancar o amor numa mala, mas não tinha como: nem sentando em cima o zíper fechava. Resolveu então congelar, mas era tão quente, o amor, que fundiu o freezer, queimou a tomada, derrubou a energia do prédio, do quarteirão e logo o menino saiu andando pela cidade escura ― só ele brilhando nas ruas, deixando pegadas de Star Fix por onde pisava.

O que é que eu faço? ― perguntou ao prefeito, ao amigo, ao doutor e a um pessoalzinho que passava a vida sentado em frente ao posto de gasolina. Fala pra ela! ― diziam todos, sem pensar duas vezes, mas ele não tinha coragem. E se ela não o amasse? E se não aceitasse todo o amor que ele tinha pra dar? Ele ia murchar que nem uva passa, explodir como bexiga e chorar até 31 de dezembro de 2978.

Tomou então a decisão: iria atirar seu amor ao mar. Um polvo que se agarrasse a ele ― se tem oito braços para os abraços, por que não quatro corações, para as suas paixões? Ele é que não dava conta, era só um menino, com apenas duas mãos e o maior sentimento do mundo.

Foi até a beira da praia e, sem pensar duas vezes, jogou. O que o menino não sabia era que seu amor era maior do que o mar. E o amor do menino fez o oceano evaporar. Ele chorou, chorou e chorou, pela morte do mar e de seu grande amor.

Até que sentiu uma gota na ponta do nariz. Depois outra, na orelha e mais outra, no dedão do pé. Era o mar, misturado ao amor do menino, que chovia do Saara à Belém, de Meca à Jerusalém. Choveu tanto que acabou molhando a menina que o menino amava. E assim que a água tocou sua língua, ela saiu correndo para a praia, pois já fazia meses que sentia o mesmo gosto, o gosto de um amor tão grande, mas tão grande, que já nem cabia dentro dela.

2 comentários

Anônimo disse...

Oi Mara!
Lindo texto. Aliás seguindo adiante vi que tem aqui alguns textos do Bial. Bem, o que lamento é não tê-la contatado antes. Tenho um projeto na Net de publicação de novos autores e estaremos lançando um livro de contos e crônicas em abril. Com certeza estaria te convidando para fazer parte. Mas nunca é tarde para conhecer um bom projeto, não é mesmo? Visite o link e me diz o que você acha, viu escritora.
Bjão.
http://www.novacoletanea.blogspot.com
Projeto de Inclusão Literária
Nova Coletânea

DouglasFerT disse...

Sabe o que é encontrar um texto belo, bem escrito, puro, inocente e bom?
Bem, é isto que encontrei aqui hoje.

O amor as vezes é maior que o nosso corpo, que a nossa mente, que o mar. é mais quente que o freezer pode aguentar e os outros podem compreender.

Sempre nos dizem: "Vai, se declara!"
Mas não entendem como é o medo de ser rejeitado, ser a pior pessoa do mundo e que morrerá só.
Sim, estes pensamentos são exagerados e ilógicos. Mas, as vezes, quando estamos amando somos ilógicos.

Muito bom o texto mesmo.
^^

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